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sábado, 12 outubro 2024

Com mais de 20 anos, Paraná tem a companhia de dança master mais longeva do Brasil

“A dança não tem limite se você não quiser que ela tenha”. Assim, Júlio Mota, bailarino do Centro Cultural Teatro Guaíra há 40 anos, define o trabalho desenvolvido no G2 Cia de Dança, a única companhia pública estatal no Brasil totalmente dedicada a bailarinos na fase da maturidade artística. O trabalho multifacetado da companhia é o destaque desta semana da série “Paraná, o Brasil que dá certo”.

A criação do G2 Cia de Dança foi oficializada no final de 1999 por bailarinos que antes participavam do corpo de baile do Teatro Guaíra, ficou num período de incubação e passou a existir efetivamente em 2000. A originalidade e a qualidade da proposta do trabalho paranaense foram reconhecidas com o Prêmio Estímulo da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) por suas apresentações no Centro Cultural São Paulo. É um dos mais importantes do cenário nacional de arte.

Um artigo publicado na Universidade de São Paulo (USP) pela pesquisadora Ana Cristina Echevenguá Teixeira, sobre a organização profissional de bailarinos com idade em torno de 40 anos nas companhias públicas de dança brasileiras mostra que, no Brasil, além do Balé Teatro Guaíra (BTG), apenas duas companhias colocaram em prática esse perfil: a Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo (BCSP/1968), criada em 1999 e extinta em 2009, e a BTCA 2 do Balé Teatro Castro Alves (BTCA-BA/1981), fundada em 2004 e extinta em 2007.

Ou seja, com quase 23 anos de atuação contínua, a companhia do Paraná desenvolve um trabalho que vai muito além da dança – e das linhas geográficas do Paraná. 

Entre os espetáculos ao longo dessa trajetória estiveram “O Tombo”, que investiga o desequilíbrio das situações e dos movimentos e que chegou a abrir o Festival das Três Fronteiras, na Argentina; “O Voo do Poeta”; “Um Dia Fora do Tempo”; e “La Cena”, três histórias que, interligadas, compõem uma lenda urbana que retrata reviravoltas da vida, levemente inspirada em “O Quebra Nozes”, e que chegou ao Nordeste brasileiro.

Graças aos longos anos dedicados a espetáculos no Guairão e em outros palcos, hoje o grupo utiliza toda a bagagem técnica e cultural adquirida para atuar também fora de cena. Além de bailarinos, os integrantes se definem como pesquisadores, criadores e intérpretes em diversas vertentes da dança. “Não somos meros reprodutores de uma coreografia criada por um coreógrafo contratado. Somos co-criadores. A gente elabora, experimenta, ajuda a compor e dá efetivamente corpo e vida aos personagens e às coreografias que são criadas”, afirma Mota.

O bailarino foi um dos idealizadores da companhia e conta que, após uma ida para a Inglaterra em 1996 para fazer um curso de formação de coreógrafo, se deparou com esse formato e decidiu então trazer o modelo para o Teatro Guaíra com o objetivo de usufruir de competências técnicas e artísticas dos bailarinos próximos à aposentadoria.

“Já vínhamos conversando sobre a possibilidade de alargar o horizonte criativo dentro do Balé Teatro Guaíra, não só apenas dançando o repertório dos coreógrafos que eram convidados, mas para que nós tivéssemos a oportunidade de efetivamente explorar a questão da pesquisa que já fazíamos nos workshops e nas oficinas coreográficas”, explica.

Com a criação do grupo, composto por profissionais com as mais diversas especialidades, os bailarinos passaram a desenvolver propostas mais criativas, trabalhar em conjunto com autores coreógrafos, além de atuar em outras frentes, como figurinistas, cenógrafos, entre outras atividades.

Segundo Júlio, a proposta inovadora foi muito bem recebida, já que profissionais da dança, de maneira quase unânime, iniciavam a carreira preocupados com o futuro da profissão em idades mais avançadas. “Muitos bailarinos, chegando numa determinada idade, continuavam tendo uma grande qualidade artística, mas começavam a ter algumas limitações físicas para dançar alguns repertórios”, afirma.

Por conta disso, a criação da companhia abriu novos caminhos. “Estamos ajudando a expandir esse horizonte de possibilidades. Para as novas gerações, é começar uma coisa pensando que ela não tem prazo de validade tão curto”, acrescenta.

Hoje em dia, fruto dessa inspiração, há dois movimentos crescentes em relação a companhias de dança privadas que desejam dar uma atenção especial a bailarinos que estão perto de se aposentar, dentro da onda da chamada economia prateada, voltada à longevidade das pessoas: a extensão da carreira de quem iniciou na profissão há mais tempo e também a adesão daqueles que nunca dançaram, mas têm o desejo de iniciar mais tarde.

DIFERENCIAIS – Para Júlio, um dos diferenciais do G2 Cia de Dança é a vasta experiência de cada um nas mais diferentes áreas, além da formação adquirida durante a trajetória na companhia. “Passamos por um processo formativo muito variado. Trabalhamos com vários coreógrafos de técnicas e estéticas diferentes, desde o balé clássico à dança moderna. Temos um repertório muito vasto, consistente, porque a gente trabalha tecnicamente”, afirma.

Ricardo Garanhani, bailarino há mais de 30 anos no Teatro Guaíra, endossa a opinião do colega de casa e ainda ressalta que as limitações físicas que chegaram com a idade não interferem na vontade de continuar desenvolvendo um bom trabalho. “O corpo pode ter limitações, mas a cabeça tá com toda aquela experiência, toda aquela motivação. Descobrimos formas de aproveitar isso e manter um trabalho de qualidade e criativo”, ressalta.

Mesmo atuando em outras frentes, o grupo também tem boa parte da rotina dedicada ao condicionamento físico, o que auxilia os bailarinos em novos pontos da vida: saúde e bem-estar. Os encontros diários consistem em aquecimentos individuais — para dar conta das especificidades de cada um após anos de trabalhos extenuantes — que podem variar entre pilates, corrida ou musculação, e até mesmo exercícios direcionados para os espetáculos.

Segundo Ana Silva, bailarina do BTG, o processo de redescoberta do potencial corporal foi transformador para todo o grupo, já que cada um tinha anos de experiência em áreas específicas. É o que eles passam aos novos integrantes.

“Tivemos que nos despir de uma história de 25, 30 anos para ver que de repente esses corpos poderiam dançar e se movimentar, não necessariamente usando toda a técnica. Ela existe, mas nesse processo que ainda é novo a gente vê esses corpos tendo uma outra leitura e uma outra postura que é muito interessante”, enfatiza.

“Quando nós criamos o grupo, chamávamos pessoas para introduzir novas técnicas porque foi uma transição muito difícil. Tínhamos corpos muito presos a formas e linhas. Tivemos que desconstruir esses corpos”, acrescenta Grazianni Canali, bailarino da casa há 39 anos.

Além disso, a convivência de anos no balé também contribuiu para a sinergia do grupo durante o desenvolvimento de espetáculos. “Cenicamente, ou qualquer coisa que aconteça em relação a falha técnica, até mesmo da técnica corporal, a gente já sabe o que fazer”, ressalta Clionise de Barros, bailarina do Teatro Guaíra há bons 30 anos.

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EDIÇÃO IMPRESSA Nº 123 | SETEMBRO/2024

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