Registros da memória de Curitiba, de momentos históricos, de pessoas que tiveram a sua trajetória pessoal na cidade são parte dos documentos guardados nas mais de 80 mil caixas do Arquivo Público Municipal da Prefeitura de Curitiba. O material armazenado e cuidado dentro das mais rigorosas normas arquivísticas brasileiras pode ser consultado por qualquer pessoa que tenha algum interesse particular, comercial ou institucional.
Localizada na CIC, a unidade da Secretaria de Administração, Gestão de Pessoal e Tecnologia da Informação (Smap) foi inaugurada em 2004, mas guarda documentos que relatam a história de Curitiba desde 1798, data do item mais antigo, o livro de foro do quadro urbano e rural, com os registros do que acontecia na cidade. Naquele ano, Curitiba, que hoje tem 331 anos, já era centenária.
“Cada um desses documentos pode ser uma resposta para resolver alguma questão de interesse coletivo ou pessoal. Os registros acompanham o crescimento do município. É uma fonte de conhecimento muito boa”, explica o gerente de Acervo e Pesquisa do Departamento de Arquivo Público, Kelton Sabatke.
Alvarás de comércio e construções, plantas arquitetônicas, documentos administrativos, fotografias, negativos, estão entre eles. Para consultar qualquer material, basta entrar em contato com a equipe para receber o conteúdo por e-mail ou, conforme o que foi solicitado, ir pessoalmente para mergulhar no acervo armazenado em microfilmes.
Descobertas
A advogada Christiana de Abreu, de 44 anos, conseguiu resgatar a memória familiar de André Oszika, falecido avô do seu marido e dono de um pequeno armazém no Capão Raso. Ela fez a solicitação ao Arquivo Público, com base em um trecho de jornal em que André aparecia em uma foto quase apagada.
Segundo trecho da notícia, André Oszika foi responsável por transformar uma valeta aberta e mal cheirosa, em frente ao seu empreendimento, em um jardim. “Ele era muito querido e admirado pelas pessoas que convivia e pela família. Ele nos deixou precocemente e existem poucos registros dele”, explica.
Depois da pesquisa da equipe, Christiana recebeu sete fotos do familiar. “Foi muito emocionante reviver esta memória em nossas lembranças. Imagine a alegria que os filhos dele ficaram quando viram todas aquelas fotos, que mostram o André e a casa onde todos eles viveram. Unir esses registros é também um legado para os próximos descendentes”, diz.
O arquiteto Fábio Domingos Batista, de 51 anos, solicita documentos ao Arquivo Público Municipal frequentemente, em torno de 3 vezes ao mês. Ele explica que conhecer os registros dos terrenos e edificações ajuda a entender como atuar em um projeto. “É um recurso importante para regularizar as construções e preservar espaços históricos”, explica.
Outra atuação de Fábio é a pesquisa na área, como a criação dos livros da coleção Arquitetura e Elementos, que registram as casas curitibanas construídas entre as décadas de 1920 e 1960. Ele estima que, para a elaboração do material, foram consultados no arquivo em torno de 300 a 400 registros de construções. “Curitiba tem uma arquitetura muito rica. Esse trabalho materializa o momento histórico da cidade”, afirma.
Como pesquisar no acervo ou conhecer a unidade
Os interessados em acessar um dos documentos guardados devem fazer o pedido pelo e-mail arquivopublico@curitiba.pr.gov.br. Caso esteja disponível no acervo, uma cópia do documento será enviada como resposta. “O que dá o sentido para o trabalho de armazenar os documentos históricos é o acesso facilitado para a população”, afirma Kelton.
Além da solicitação de arquivos, é possível visitar o espaço entrando em contato pelo mesmo e-mail arquivopublico@curitiba.pr.gov.br ou telefonando para (41) 3350-8992. No horário agendado, o participante conhece mais sobre o Arquivo Público, recebe as orientações sobre obras de interesse e pode consultar as informações disponíveis no local. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h.
Estudantes do curso de assistente administrativo do transporte e assistente logístico do transporte do Sest Senat (Serviço Nacional do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) participaram, em setembro, de visita técnica no espaço. Uma das participantes, Camile Vitória, de 18 anos, considera que conhecer o Arquivo Público foi importante para aprender sobre gestão documental, um dos conteúdos do curso. “Achei a atividade diferente e interessante. Eu entendi a importância de armazenar os arquivos”, conta.
Também há visitas de outras prefeituras, interessadas em conhecer o funcionamento da unidade. E a equipe do Arquivo participa de atividades acadêmicas, sempre que possível.
Trabalho de cuidado e apuração
Quando um pedido é enviado para o Arquivo Público Municipal, a equipe busca identificar os documentos que possam conter a informação solicitada. “Tentamos partir de alguma pista para nos guiar nesse trabalho, como a data em que o material foi gerado”, diz Kelton. Curiosidade, tino para a investigação, uma dose de intuição são fatores que auxiliam a caçada por informações.
Se o arquivo consta no acervo, a próxima etapa é a localização do material, que pode ter sido digitalizado, como os 37 mil alvarás de construção, por exemplo. Cerca de 100 mil imagens estão disponíveis no ambiente digital. Destas, cerca de 12 mil estão indexadas, o que facilita o envio a quem solicitou. “Para chegarmos à indexação adequada, fazemos até mesmo a análise semiótica, levando em conta outras informações, outros significados relativos àquela imagem. E isso é um trabalho complexo”, explica o representante do Departamento de Arquivo Público.
Quando são obras raras, o cuidado é ainda maior, conforme explica Kelton: “Temos um trabalho de cuidado para buscar restabelecer os materiais, principalmente os mais antigos. Buscamos assegurar que a informação ainda possa ser transmitida”. O cuidado para manter a integralidade dos documentos vai além do restauro: a temperatura, umidade e iluminação também são controladas.
Os arquivos armazenados pelo Arquivo Público Municipal seguem o padrão nacional da tabela de temporalidade, que define o tempo que devem se manter no espaço. Enquanto alguns, como documentos históricos, são guardados permanentemente, outros, como a folha ponto de um servidor, têm um ciclo de vida de 50 anos.
Assim que o período em que os documentos devem ser armazenados acaba, o descarte é feito descaracterizando o seu conteúdo. A empresa responsável recolhe e tritura o material. Em 2023, a Prefeitura de Curitiba recebeu, pelos recursos das aparas de papel, R$ 25,7 mil relativos a 83,1 toneladas. Os recursos foram integrados ao orçamento municipal.
Documentos internos
O Departamento de Gestão do Arquivo Público da Smap tem também uma unidade na sede da Secretaria, no bairro São Francisco: o Arquivo Setorial. São mais de 5 mil caixas de documentos ligados às diversas secretarias da Prefeitura, categorizados por área, tipo e tempo em que devem ser armazenados.
“Esse trabalho é importante por guardar os documentos históricos e fornecer para o contribuinte e ao servidor a informação exata e objetiva contida neles. Cuidamos da história do Município”, afirma o responsável pelo setor, Orlei Alves Leandro, de 60 anos.
Formado em História e com 29 anos de trabalho no setor, Leandro ressalta que tudo o que é feito na área é baseado em legislação. Entre os avanços, ele aponta a digitalização dos documentos que evita que eles passem de mão em mão. O procedimento é feito conforme a demanda dos usuários, geralmente as próprias secretarias e órgãos municipais.
Ele constata que é cada vez menor a quantidade de documentos que chegam ao Arquivo Setorial. Muito disso está relacionado ao Sistema Único de Protocolo Eletrônico, à redução de papel, ao encerramento do serviço de malote da Smap. “Muita coisa, entretanto, nem pode ser eliminada”, declara.