A convivência entre idosos e animais de estimação pode resultar em mais saúde e qualidade de vida para as pessoas com mais de 60 anos. A avaliação é do médico da família Homero Luis de Aquino Palma, que integra a equipe do ICS (Instituto Curitiba de Saúde), o plano de saúde dos servidores da Prefeitura de Curitiba.
A constatação vem seguida de um alerta: “Estamos falando de idosos funcionais, saudáveis, que têm condições de cuidar de si”, completa o médico, que acredita que a relação entre os homens e mulheres idosos com cães e gatos pode ser uma experiência bastante positiva.
“Na fase da aposentadoria, muitos têm menos coisas para fazer, para se ocupar”, diz o médico.
“O pet pode devolver o senso de propósito [para a pessoa]. Ter um pet requer cuidar, brincar com o animal. Essas brincadeiras estimulam o nosso cérebro e isso é bom para a saúde física e mental”, completa.
Segundo Palma, é importante que o idoso saiba se vai dar conta das tarefas envolvidas com o animal, para que a guarda seja também fonte de prazer. Os custos para a manutenção dos animais também devem ser levados em conta, para que não haja frustração.
Convívio social
Homero Palma lembra que geralmente o animal de estimação faz com que a pessoa que o adotou interaja com outras pessoas que também têm pet, o que representa uma forma saudável de estimular a convivência social.
Ele ressalta que pessoas sedentárias têm que se movimentar e fazer algum esforço físico no dia a dia.
“Geralmente, o pet vai estimular o idoso a fazer coisas que ele não faria se não tivesse o animal. Isso é bom fisicamente e psiquicamente também”, diz.
A veterinária da Prefeitura de Curitiba, que é especialista em comportamento animal, Cláudia Terzian, concorda. “Quem tem um cãozinho em casa, principalmente quem mora em apartamento, costuma ser mais ativo, porque leva o pet para passear, e o fato de sair de casa pode ser motivador para fazer outras atividades na rua”, avalia. Para ela, adotar um cão pode ser uma boa maneira para deixar o sedentarismo.
De acordo com um estudo de 2017 publicado pela revista científica British Medical Journal, tutores de pets tendem a ser até 20% mais ativos fisicamente em dias de chuva ou frio, e praticam até 30 minutos a mais de exercício quando comparados aos não-tutores.
A escolha certa
Contudo, a veterinária alerta para o cuidado na hora de escolher o bichinho. É necessário que os futuros tutores escolham o pet que mais se adapte à sua rotina, casa e vigor físico.
“Geralmente, as pessoas já vão em busca do cão que têm em mente. Alguns têm vontade de cuidar de um labrador, por exemplo, e querem levar para casa ainda filhote. Um cão como esse tem muita energia. Embora possa ser adestrado, o filhote pode não se adaptar, pois tem pré-disposições de temperamento que não conhecemos”, explica Cláudia. Ela aponta que este é o motivo de muitos dos abandonos ou doações: o cão não consegue se adequar à rotina da família.
A veterinária avisa que os cães ainda filhotes tendem a passar pela fase de mordedura, aprender a fazer xixi no lugar certo, e que vão exigir mais tempo de brincadeiras, passeios e socialização com outros humanos e cachorros. Por isso, o recomendado para pessoas aposentadas que procuram um companheiro mais sossegado, é para adotar cães adultos, com mais de dois anos. O cachorro adulto, além de ter menos energia do que os filhotes, também já tem um temperamento definido que dificilmente será mudado depois da adoção.
Deve-se optar também por cães pequenos ou médios. “Alguns cães vão querer pular nos donos, como forma de demonstrar afeto, e isso pode machucar, principalmente se for uma pessoa com mais idade”, justifica Cláudia, que também ressalta a necessidade de comprometimento dos tutores: “Um cachorro é uma vida, e uma vida precisa ser tratada com seriedade”.
Por isso, a recomendação da especialista é para que os interessados em adotar um cão pesquisem sobre as características de cada animal, e que procurem entender os antecedentes do cachorro. Também é preciso fazer uma avaliação sobre quanto tempo e dinheiro o futuro tutor está disposto a oferecer.
Casos
“Minha pet me traz saúde mental”, diz a servidora Margareth Bolino, que se aposentou em junho de 2021. Segundo ela, a shih-tzu, chamada Maria Eugênia, foi fundamental para a adaptação da tutora na nova fase da vida. Margareth relata que a companhia da bichinha não deixou com que ela se sentisse solitária, e manteve sua rotina agitada: dois dias por semana, ela leva e busca Maria Eugênia em uma creche para cachorros, onde a pet socializa com outros animais.
Margareth relembra que quando ganhou a shih-tzu de presente da filha, em 2019, ela teve medo de não ser uma boa tutora, mas que pesquisou muito sobre a raça para fornecer o ambiente e a rotina ideais para Maria Eugênia. Segundo ela, logo na primeira noite, o medo se transformou em amor.
“Eu não entendia como pessoas se apegavam tanto a cachorros, nunca tive isso, mas quando coloquei a Maria Eugênia para dormir no meu quarto pela primeira vez eu entendi de imediato que minha relação com ela seria de amor incondicional”, recorda ela, que também destaca o carinho que seu marido tem pela cachorrinha: “Os dois são um grude, se dão super bem”.
Margareth atuou como psicóloga por 30 anos na Prefeitura, passou pela Secretaria do Menor e a da Criança e pelo Departamento de Saúde Ocupacional. Psicóloga experiente, ela brinca: “Observe a importância dessa frase, vinda de uma psicóloga: ‘A minha pet me traz saúde mental’. Hoje, não vejo a minha vida sem a Maria Eugênia”.
“Dar uma vidinha boa para quem já sofreu tanto é gratificante”
Seu Pedro Sanches, popularmente conhecido como Sagui, tem opinião semelhante. Como ele mesmo avaliou, ter um cãozinho é “bom para a cabeça”. Pedro trabalhou no Zoológico de Curitiba por 40 anos e sempre gostou muito dos bichos, e por isso decidiu adotar uma cachorrinha resgatada. Adotou a Jade antes mesmo de se aposentar, em 2013, e teve que aprender a respeitar o temperamento da amiga.
Jade foi resgatada de uma casa onde foi maltratada, vivia junto de outros 48 cachorros, em um ambiente em que era necessário brigar pela sobrevivência. Por isso, ela demorou muito tempo para se sentir confortável com a companhia de alguém, e até hoje não lida bem com outros cachorros.
“Foi um grande aprendizado para mim e para a minha esposa. Mas com o tempo, a Jade passou a confiar na gente. Dar uma vidinha boa para quem já sofreu tanto é gratificante, e a Jade merece o melhor”, contou Pedro. A cachorrinha deu um propósito para ele durante a aposentadoria, e os dois ficaram muito mais próximos. “Foi muito bom para me ocupar no dia a dia”, descreveu.
Hoje, o servidor aposentado vive em uma chácara em Paranaguá, com a esposa e a Jade. A cachorra adora correr pelo espaço, e acompanha seu Pedro enquanto ele cuida do quintal. Ainda assim, ele toma todos os cuidados para que a pet não seja atacada por algum animal no mato, e nunca perde a companheira de visão.
“Cuidar de cachorro é uma responsabilidade muito grande”
Zuleika de Andrade Garcia ganhou o Fifo de uma colega de trabalho quando seu marido, Cláudio, sofreu um derrame. A ideia era que o poodle ajudasse o marido, em fase de recuperação, a se distrair. Ela conta que Cláudio não falava e tinha dificuldade para se locomover, e após a chegada do amigo de quatro patas, ele progrediu muito.
Com a convivência, Cláudio conseguiu falar algumas palavras, passou a caminhar, e construiu uma linda amizade com o Fifo. Diariamente, ele colocava a coleira no bichinho, colocava um boné e saía para uma caminhada curta. Juntos, eles passeavam pela quadra e ficavam sentados lado a lado no sofá. “Meu marido tentava brigar com o Fifo, e conseguia falar algumas coisas. Eu acredito que a recuperação que ele teve foi por causa do cachorro”, relata Zuleika.
“Depois que o meu marido faleceu, o Fifo sentiu muita falta. Na primeira semana, ele buscou o boné que o Cláudio usava para passear, levou no lugar do sofá em que ele sentava e ficou deitado em cima, por dois dias inteiros”, relembrou ela. Com o passar do tempo, o cãozinho ficava sentado ao lado da escada que levava ao quarto do casal, esperando que o companheiro descesse, e demorou para seguir em frente.
Hoje, Fifo tem 13 anos e é muito apegado à Zuleika. Servidora da educação aposentada desde 2007, ela é responsável por dois bichinhos de estimação: o Fifo e o Tico, um canário belga que foi criado pelo marido. Segundo a tutora, a presença dos dois enche a casa de vida, e ela se sente menos solitária.
Mesmo assim, ela reforça que não quer outro cão depois do Fifo. Seus planos para o futuro são viajar mais, e isso exige que tenha alguém para cuidar do cão. Com o avançar da idade, ela também tem receio de que não consiga oferecer toda a atenção que um cachorro merece. “Gosto muito de cachorro, sempre tive. Mas cuidar de cachorro é uma responsabilidade muito grande, então temos que pensar bem”, avalia.
“Só podemos pegar um cachorro se soubermos que vamos cuidar dele até o final”
O casal de servidores aposentados Carlos Renato D’Ávila e Maria de Lourdes Santos Iargas D’Ávila, a Teka, concordam com Zuleika. Depois da partida de Zulu, o cãozinho da família, eles optaram por não escolher um novo companheiro.
“Já temos uma certa idade, e um cachorro saudável vive por cerca de 15 anos. Nunca sabemos o dia de amanhã, e na nossa idade 15 anos é muito tempo. Ainda tenho vontade de ter um bichinho, mas sei que essa é a decisão certa”, avalia Teka, que apoiou a decisão do marido de não adotar um novo pet.
“Precisamos ter responsabilidade. Só podemos pegar um cachorro se soubermos que vamos cuidar dele até o final”, explicou Carlos.
Zulu era um lhasa apsu, viveu 16 anos com os dois, e faleceu em 2017, enquanto o casal estava em uma viagem na Bélgica. Para que pudessem se despedir do integrante da família, Carlos e Teka optaram por cremá-lo.