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sexta-feira, 6 dezembro 2024

Por que o ex-presidente Michel Temer foi preso?

O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, ordenou a prisão do ex-presidente e de outras nove pessoas – entre elas, o ex-ministro Moreira Franco e o coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo e amigo de Temer, João Baptista Lima Filho.

“As investigações apontam que a organização criminosa praticou diversos crimes envolvendo variados órgãos públicos e empresas estatais, tendo sido prometido, pago ou desviado para o grupo mais de R$ 1,8 bilhão”, afirmou o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro em nota sobre as prisões.

Os investigadores apontam uma organização criminosa que atuou na construção da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro, “praticando crimes de cartel, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e fraudes à licitação”.

Em nota, o MDB lamentou as prisões e o que chamou de “postura açodada da Justiça” em relação a Temer e Moreira Franco, também do partido. “O MDB espera que a Justiça restabeleça as liberdades individuais, a presunção de inocência, o direito ao contraditório e o direito de defesa”, conclui o texto.

‘Atos de contrainteligência’

Em nota, o Ministério Público Federal afirmou que havia um esquema em andamento para dificultar as investigações ligadas ao grupo liderado por Temer. “Diversas pessoas físicas e jurídicas usadas de maneira interposta na rede de lavagem de ativos de Michel Temer continuam recebendo e movimentando valores ilícitos, além de permanecerem ocultando valores, inclusive no exterior.”

Ainda segundo os procuradores, “as apurações também indicaram uma espécie de braço da organização, especializado em atos de contrainteligência, a fim de dificultar as investigações, tais como o monitoramento das investigações e dos investigadores, a combinação de versões entre os investigados e, inclusive, seus subordinados, e a produção de documentos forjados para despistar o estado atual das investigações”.

O MPF disse ter pedido a prisão preventiva de alguns dos investigados porque o inquérito aponta “para a existência de uma organização criminosa em plena operação, envolvida em atos concretos de clara gravidade”.

O que a investigação aponta contra Temer?

A operação deflagrada nesta quinta-feira é um desdobramento das operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade, braços da Lava Jato.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, investigações indicaram o envolvimento de, pelo menos, duas empreiteiras (Andrade Gutierrez e Engevix) “em práticas ilícitas, em virtude da execução de contratos e aditivos celebrados com a Eletronuclear”.

Em delação premiada, o ex-executivo da Engevix José Antunes Sobrinho afirmou ter pago R$ 1,1 milhão em propina a pedido do coronel Lima “com anuência” do ex-presidente.

Esse montante, segundo a delação de Antunes Sobrinho, seria uma propina destinada a Temer como recompensa por um contrato de engenharia eletromecânica de R$ 162 milhões da empreiteira com a Eletronuclear, que também envolvia a Argeplan e a finlandesa AF Consult Ltd.

“Para justificar as transferências de valores foram simulados contratos de prestação de serviços da empresa PDA para a empresa Alumi”, afirmou o MPF, que aponta o desvio de R$ 10,9 milhões ligados a esse contrato.

Segundo Dodge, a Argeplan era usada para “captar recursos ilícitos, inclusive do nicho econômico do setor portuário, destinados a Michel Temer” e pertence, na verdade, ao ex-presidente da República. “João Baptista Lima Filho tem atuado em todas as relações comerciais entre Michel Temer e empresários do setor portuário, dissimulando sua existência, natureza e efeitos.”

Em despacho que determinou a prisão do coronel Lima em março de 2018, no âmbito do inquérito ligado ao setor dos portos, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso menciona que a empresa de Lima Filho teve um crescimento exponencial nos últimos 20 anos em razão do contrato ligado à Engevix e à Eletronuclear.

Com o fim do foro privilegiado de Temer em janeiro, a delação do ex-executivo da Engevix foi remetido ao juiz Marcelo Bretas.

O que diz a decisão de Marcelo Bretas?

Em sua decisão, o juiz federal Marcelo Bretas inicialmente se previne sobre a possibilidade de envio do caso para a Justiça Eleitoral, à luz do novo entendimento no Supremo Tribunal Federal sobre caixa 2. Segundo decisão da corte neste mês, crimes como corrupção, se investigados em conjunto com financiamento eleitoral ilegal, são de competência da Justiça Eleitoral, e não da Federal.

“Se e quando houver nos autos elementos mínimos de prova que evidenciem a prática de crime da competência de outro Juízo, Eleitoral por exemplo, caberá decisão a respeito. Simples alegações ou oportunas conjecturas das partes interessadas são absolutamente insuficientes para tanto”, afirma Bretas. O juiz afirma que o “próprio investigado Michel Temer, quando ouvido em sede policial, disse que o também investigado Coronel Lima jamais o auxiliou arrecadando recursos para campanhas eleitorais”.

Em seguida, Bretas analisa a investigação realizada pelo Ministério Público Federal e afirma que “é convincente a conclusão ministerial de que Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi, e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos.”

Ao discorrer sobre os pedidos de prisão dos investigados, o juiz federal trata da necessidade da prisão requerida para garantia da ordem pública e evitar prejuízos à investigação. Segundo ele, há “efetivo risco que o agente em liberdade pode criar à garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal”.

“Deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso.”

Em sua decisão, Bretas argumenta que “tão importante quanto investigar a fundo a atuação ilícita da ORCRIM [organização criminosa] descrita, com a consequente punição dos agentes criminosos, é a cessação da atividade ilícita e a recuperação do resultado financeiro criminosamente auferido”.

Alvo de três denúncias

Temer deixou o governo como alvo de três denúncias criminais – todas foram enviadas à primeira instância ao fim do mandato.

As duas primeiras foram feitas pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tiveram origem na delação de executivos da JBS e acusam Temer e aliados de receber propinas de empresas beneficiadas por decisões do governo ou contratos públicos.

Em uma delas, o ex-presidente é acusado de chefiar uma organização criminosa – conhecida como “quadrilhão do MDB” – e de tentar obstruir a Justiça comprando o silêncio de Eduardo Cunha, ex-deputado do partido que está preso. Na outra, é acusado de corrupção passiva no caso da mala de dinheiro recebida pelo ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.

Na terceira denúncia, apresentada pela atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, Temer é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em inquérito que apura um esquema criminoso no setor de portos.

O ex-presidente nega todas as acusações e se diz vítima de uma perseguição.

Questionado por jornalistas se temia ser preso ao deixar o Planalto e perder o foro privilegiado garantido pelo cargo de presidente, Temer se mostrava ofendido.

“Não estou preocupado com esse assunto. Até porque chicotear o presidente é uma coisa. Já o ex-presidente já não vai ter muita graça”, disse à revista Época no fim do ano passado.

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EDIÇÃO IMPRESSA Nº 126 | NOVEMBRO/2024

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